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Por que é tão difícil para uma mulher ser atleta

O esporte feminino brasileiro ainda carece – e muito – de patrocínios e espaço na mídia. Conversamos com campeãs para entender por que é tão difícil

Por Beatriz Souza (colaboradora)
Atualizado em 1 jul 2021, 11h40 - Publicado em 7 mar 2016, 11h54

Após ganhar a disputa pelo bronze no Mundial de Vôlei, em 2014, a estrela da seleção brasileira Jaqueline Carvalho caiu em prantos durante uma entrevista. O motivo não era a emoção pela medalha, mas a incerteza sobre o futuro de sua carreira. Ela havia acabado de voltar às quadras depois de uma licença-maternidade e ainda não tinha clube para jogar no Brasil.

Apesar de várias equipes estarem interessadas, nenhuma podia oferecer o salário compatível a uma atleta como ela (bicampeã olímpica e cinco vezes ouro do Grand Prix). A ponteira até recebeu propostas no exterior, mas preferia ficar perto do seu marido (o jogador de vôlei Murilo, que atuava em São Paulo). Jaque só fechou com um clube mineiro, que conseguiu a verba extra com seus patrocinadores, após um ano e meio sem equipe. Dificilmente essa situação ocorreria com um atleta do sexo masculino.

Entre as grandes esportistas, a opinião é unânime: o suporte de marcas, da mídia e das federações é completamente desigual entre os gêneros. “Quando ganhamos as Olimpíadas de 2008, pensamos: agora vai melhorar! Só que já se passaram mais de sete anos e nada mudou”, desabafa Jaque.

Se no vôlei – cuja liga nacional é estruturada – a situação é difícil, imagine nos esportes com menos visibilidade.

Não à toa, a seleção de futebol tem recorde de jogadoras atuando fora do país. A “paixão nacional” parece não ser tão importante quando as estrelas são mulheres. Na época em que conquistaram o vice-campeonato na Copa do Mundo, em 2007, as condições de treino eram precárias. “Enquanto a campeã, Alemanha, fez 55 jogos oficiais naquele ano, a gente só participou de quatro”, conta a atacante Cristiane Rozeira, que hoje defende o Paris Saint- Germain, clube francês.

Nove anos depois, o cenário está ainda pior e, no último torneio, as meninas foram desclassificadas nas oitavas-de-final. Segundo a ex-jogadora de vôlei de praia Adriana Behar, atual gerente de planejamento esportivo do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), o órgão destina sua verba de acordo com os resultados, e não por gênero.

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Complicado entender essa lógica. Como as modalidades menos estruturadas conseguiriam vencer sem investimento? E se não há jogos, os torcedores não pagam ingresso e os patrocinadores desaparecem. Dá para quebrar esse ciclo?

NÃO TÁ TRANQUILO, NÃO TÁ FAVORÁVEL

Assistimos coladas na TV a Gabriel Medina vencer o Campeonato Mundial de Surfe em 2014. Nunca um brasileiro tinha alcançado o topo do pódio no esporte. Mas o que quase ninguém comentou é que um talento parecido já havia despontado na disputa entre as mulheres.

A cearense Silvana Lima tinha sido vice-campeã em 2008 e 2009. Ainda assim, entre 2011 e novembro do ano passado, nenhum torneio feminino foi realizado no país. “Fica impossível aparecer na mídia e conseguir patrocinadores”, reclama Silvana. “Para continuar competindo lá fora, precisei vender meu apartamento e o meu carro.” Pois é. O placar está sempre atrás para elas.

A ex-jogadora Hortência, um dos maiores nomes do basquete mundial, acredita que a responsabilidade está na má gestão dentro das organizações. E o problema não é apenas do Brasil. Quando participava de reuniões da Fiba (Federação Internacional de Basquete), em 2009, ela brigou por, pelo menos, 30% de investimento para as equipes femininas. “Alguns países destinavam apenas 5% do orçamento”, lembra. “Se a seleção masculina viajava de classe executiva, por que a gente não tinha o mesmo direito?”, questiona.

Diferenças como essa estão por todos os lados. Imagine quantas chuteiras jogadores como o Neymar ganham. O mesmo não acontece com as boleiras. “Em 2003 (um ano antes da medalha de prata nas Olimpíadas de Atenas), a gente recebia pares usados e depois devolvia para que outra atleta pudesse calçá-los no campeonato seguinte”, conta Cristiane.

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O OURO IGNORADO

Sem poder contar com o amparo das organizações nem com salários iguais aos dos homens, as atletas seguem sonhando com patrocínio. Lembra-se da vitória de Medina? Três meses mais tarde, o Brasil era, mais uma vez, destaque: Eduarda Amorim, a Duda, foi escolhida a melhor jogadora de handebol do planeta. “A procura não foi a mesma. Não recebi convites para propagandas nem consegui patrocínio individual”, compara a atleta. Medina era o melhor de todos – assim como Duda.

O que faltava a ela então? Na opinião do diretor-executivo da Associação Brasileira de Surfe, Pedro Falcão, as marcas só buscam atletas mulheres que tenham porte de modelo – sim, ele disse isso publicamente. “Mas não somos loiras de olhos azuis”, rebate Silvana. Em quadra, os atributos físicos também viram peça-chave. “A atenção fica em torno da nossa aparência, do nosso uniforme e até de quem estamos namorando. Mas ninguém comenta a careca dos caras, né?”, critica Patrícia Medrado, ex-tenista número 1 do país, que hoje atua na ONG Atletas pelo Brasil.

VIRADA DE JOGO

Sem destaque na imprensa, os patrocínios não vêm; com a ausência de verba, fica difícil evoluir e vencer. Como romper esse ciclo?

“Pouquíssimas confederações são presididas por uma mulher”, comenta Patrícia, que defende a criação de comissões dedicadas a pensar exclusivamente no esporte feminino. Uma das propostas é igualar o valor da premiação para os campeões de cada competição, independentemente do gênero.

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Por enquanto, a diferença assusta: no Rio Open 2016, o valor pago ao primeiro lugar foi sete vezes maior para os homens. Enquanto o tenista uruguaio Pedro Cueves levou para a casa R$ 1,21 milhão, a italiana Francesa Schiavone ficou com R$ 172 mil. “A gente treina e se esforça tanto quanto os jogadores, mas, infelizmente, não recebe o mesmo reconhecimento que eles”, lamenta Jaque, que espera que as Olimpíadas do Rio de Janeiro, em agosto, tragam um novo fôlego para as atletas brasileiras. BOA FORMA faz coro nessa torcida.

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