Localizada no bairro do Bom Retiro, no centro da cidade de São Paulo, a Casa do Povo é um centro cultural que também consiste em um lugar de memórias. O projeto social conta com diversas atividades e práticas para a comunidade.
A HISTÓRIA DA CASA
Sua fundação ocorreu em 1946, quando uma parcela da comunidade judaica chamada “progressista” chegou ao Brasil logo após a Segunda Guerra Mundial.
“A ideia do espaço foi de ser um monumento vivo. Ou seja, em vez de criar um monumento em memória àqueles que morreram no conflito, foi construído um espaço onde os indivíduos pudessem continuar o que foi perdido na Segunda Guerra Mundial por meio de ações”, ressaltou Ana Druwe, coordenadora de comunicação da Casa do Povo, em entrevista à Boa Forma.
Em sua origem, a Casa do Povo tinha o propósito de reunir, por exemplo, associações de bairro, escolas, jornais e corais, se tornando um lugar no qual a cultura mobiliza a ação. Com o passar do tempo, essa essência permaneceu, porém passou por algumas transformações.
“Hoje o bairro do Bom Retiro é muito mais do que um local apenas judaico. Temos comunidades bolivianas, coreanas, nordestinas, trans, do movimento negro, de jovens secundaristas. Enfim, o Bom Retiro é um bairro muito fértil, e a Casa do Povo acaba sendo o espaço que acolhe esses tipos de coletivos e grupos”, explica Ana.
ATIVIDADES DA CASA
De forma geral, o centro cultural agrega iniciativas diversas, sejam elas artísticas ou não, proporcionando atividades que fazem dele um lugar de convivência, de experimentação, de aprendizado e de expressão criativa.
“A Casa do Povo tem uma dinâmica de cuidado, pensando que ela é uma prática coletiva. A partir do momento que você entra na Casa, você passa a participar de uma comunidade e, por ser uma comunidade, você acaba cuidando das pessoas e do próprio espaço”, conta a coordenadora de comunicação.
Na maior parte das vezes, as atividades do centro cultural são abertas. No geral, elas abrangem não apenas o mundo artístico, mas também o universo dos cuidados com a saúde. Atualmente, algumas práticas corporais fazem parte das atividades regulares da Casa do Povo: a Yoga para Todes e o Boxe Autônomo. Além disso, com a Clínica Aberta de Psicanálise, o local também promove atendimentos psicológicos gratuitos, a fim de garantir que as pessoas consigam cuidar da mente e dos próprios sentimentos.
BOXE AUTÔNOMO: DA COMUNIDADE PARA O PÓDIO
Desde 2015, quando foi fundado, o Boxe Autônomo é um projeto de esporte popular que tem o propósito de melhorar a acessibilidade ao esporte e de promover uma transformação social. A academia já esteve presente em diferentes espaços públicos da cidade de São Paulo e, hoje, tem a Casa do Povo como sua residência.
“Nossas atividades começaram dentro de uma ocupação de moradia, no bairro da Liberdade, formada por famílias brasileiras que enfrentam dificuldades e pessoas que chegaram como refugiados da Síria. Muitos desses refugiados não falavam português e não sabiam como se inserir aqui. Nessa ocupação, aconteciam vários eventos, por exemplo, atividades de teatro e aulas de português. Aí a gente teve a ideia de fazer os treinos de boxe, pensando no papel da atividade física como uma parte indissociável do ser humano. Essas pessoas chegavam em uma condição tão vulnerável que nem sequer o seu direito à moradia era respeitado, imagina o direto ao esporte”, refletiu Raphael Piva, treinador, coordenador e cofundador do Boxe Autônomo.
Como conta o treinador, o projeto une desde pessoas que não se sentem bem em ambientes formais de academias de luta até pessoas que moram na região do Centro e que não têm condições de arcar com os gastos de uma academia privada.
“Recentemente, um garoto que era morador da Favela do Moinho e que começou a treinar com a gente, foi para Budva, em Montenegro, com a Seleção Brasileira Juvenil, e foi medalha de bronze na Copa Mundial Juvenil“, contou.
Na Casa do Povo, as aulas acontecem de segundas e quartas, às 18h e às 19h30, de terças e quintas, às 17h30 e às 19h30, e aos sábados, às 10h30. A contribuição sugerida (para quem tem condições de pagar) é de R$150,00 por mês.
YOGA PARA TODES
Antes de criar o Yoga Para Todes, Vanessa Joda trabalhou, durante 20 anos, na área de comércio exterior. Nesse tempo, ela passou por um momento conturbado na profissão, o que fez com que desenvolvesse síndrome do pânico e Burnout. Diante desses problemas, foi aconselhada por um amigo a praticar yoga, porém, na época, acreditava que, por ser gorda, não podia fazer parte dessa atividade física.
“Quando ele falou para eu fazer yoga, eu comecei a rir, porque eu entendia que o meu corpo não era corpo de yoga, porque eu não via outros corpos parecidos com o meu na prática. Mas, ele me carregou para o Sesc, e foi lá que eu fiz a minha primeira aula. Lá, a professora teve um olhar muito acolhedor com o meu corpo, e isso mudou totalmente a minha vida”, disse.
A partir disso, a yoga passou a habitar a vida de Vanessa de uma forma muito forte. “A yoga fez com que eu voltasse a habitar o meu próprio corpo, é uma coisa muito mágica, porque eu passei a notar que não havia nada de errado comigo. Além disso, ela fez eu me questionar a respeito do que eu estava fazendo no comércio exterior. Ai eu pensei ‘poxa eu gosto muito de yoga, eu vou procurar um curso e vou me tornar professora dessa atividade física‘. Esse curso foi muito acolhedor também, o professor nunca olhou pro meu corpo e falou ‘olha, você não pode fazer isso’. Muito pelo contrário, ele sempre me incentivou a fazer todas as posturas”, detalhou.
Com o propósito de mostrar ao mundo que gordos também fazem yoga e de criar um espaço acolhedor para que esses corpos praticassem essa atividade sem sofrer agressão, Vanessa resolveu desenvolver o Yoga para Todes. “Eu penso muito em uma yoga democrática também, porque, infelizmente, a yoga até hoje é elitista demais. Então, eu desde sempre tive essa vontade de torná-la mais acessível”.
Na Casa do Povo, as aulas acontecem de terça e quinta, às 10h30 e as 20h, e busca a democratização e a valorização de corpos por meio da hatha yoga.
“A Yoga para Todes e a Casa do Povo foi o match perfeito para mim, porque a gente tem a mesma linguagem, de acolher as pessoas. Querendo ou não, a yoga tem uma filosofia libertária, e a Casa do Povo também é isso, de acolher todos, independente da quantidade de dinheiro que você tem ou da sua aparência. É uma troca perfeita”, falou.
CLÍNICA ABERTA DE PSICANÁLISE
A Clínica Aberta de Psicanálise, na Casa do Povo, oferece atendimentos psicológicos gratuitos aos sábados, por ordem de chegada. Cada consulta dura 50 minutos.
“A gente atende em um formato chamado de grupo analista. Então, são vários analistas que se revezam. O nosso objetivo é oferecer um espaço de escuta para os pacientes e, com isso, propiciar transformações e expansões na vida interior das pessoas“, conta Laís Nae, psicanalista que atende de forma voluntária na Casa do Povo desde 2019.