40,8% relataram maior consumo de drogas lícitas durante a pandemia
Pesquisas mostram impactos do isolamento na nossa saúde física
A pandemia abriu uma caixa de Pandora — objeto que, na mitologia grega, conteria todos os males do mundo e que foram libertados. Isso porque as medidas para conter a Covid-19 trouxeram diversas consequências para a saúde física e mental. Considerando que as vacinas devem levar um bom tempo para imunizar a população em geral e que os tratamentos estão evoluindo mas ainda estão longe da garantia de cura, as medidas preventivas ainda são a melhor opção.
Mas, como conhecimento é poder, entender as consequências físicas que o isolamento pode trazer vai ajudar a manter mais saúde e qualidade de vida com melhores escolhas. Buscamos pesquisas que começam a retratar os impactos do coronavírus e conversamos com especialistas que dão recomendações para minimizá-los.
PROBLEMAS DE VISÃO
Se você tem passado muito tempo em casa, sua maior companhia pode ser a tela, seja a do computador, a da televisão ou a do celular e do tablet. De acordo com uma pesquisa da Instituição britânica Fight for Sight, mais de um terço (38%) dos participantes afirmou que sua visão piorou desde o início da pandemia. Além da fadiga ocular causada pelo brilho das telas, outro problema de ficar em ambientes pequenos é a redução da distância focal: todos os objetos que olhamos estão muito perto. Com isso, os músculos oculares fazem um esforço constante e repetitivo para focalizar.
De acordo com uma pesquisa da Instituição britânica Fight for Sight, mais de um terço (38%) dos participantes afirmou que sua visão piorou desde o início da pandemia
Os especialistas sugerem usar uma técnica chamada 20-20-20: a cada 20 minutos, basta olhar para algo a pelo menos 20 pés de distância (cerca de 6 metros) por 20 segundos. Além disso, pisque e feche os olhos completamente algumas vezes por dia, para hidratá-los melhor. Sempre que possível, passe um tempo ao ar livre, em espaços abertos. Isso ajuda a aliviar a fadiga ocular, e há evidências de que, no caso de crianças, possa prevenir miopia.
CONSUMO EXCESSIVO DE ÁLCOOL, CIGARRO E DROGAS
- Álcool
Segundo pesquisa da Fiocruz, realizada entre abril e maio de 2020, 18% dos brasileiros entrevistados aumentaram seu consumo de álcool durante a pandemia. O maior aumento (26%) foi registrado na faixa etária de 30 a 39 anos de idade, e o menor entre idosos (11%). O consumo de álcool aumenta associado aos sentimentos de tristeza e depressão, atingindo 24% das pessoas que têm se sentido assim durante a pandemia.
Segundo pesquisa da Fiocruz, realizada entre abril e maio de 2020, 18% dos brasileiros entrevistados aumentaram seu consumo de álcool durante a pandemia
O problema é que além de indicar problemas psicológicos, esse comportamento tem consequências físicas. “O consumo abusivo de álcool pode enfraquecer o sistema imunológico, afetando as células de defesa e tornando o corpo um alvo mais fácil para doenças. O uso crônico e pesado reduz o número de linfócitos T periféricos e também parece causar perda de linfócitos B periféricos – ambos relacionados com a defesa do organismo e que desempenham um papel importante no reconhecimento e destruição de organismos infecciosos, como bactérias e vírus, inclusive o coronavírus”, explica a biomédica Erica Siu, especialista em dependência química e vice-presidente do Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (CISA).
Ainda não há estudos que indiquem danos permanentes na população relacionados ao consumo excessivo de álcool durante a pandemia, mas o aumento de consumo detectado já preocupa especialistas pelas consequências desastrosas que pode ter. “O uso nocivo de álcool está relacionado a mais de 200 tipos de doenças e lesões, segundo a OMS. No Brasil, por exemplo, contribui para 69,5% dos casos de cirrose hepática em homens e 42,6% em mulheres”, diz Erica.
- Drogas lícitas e cigarro
Outra pesquisa acende o alerta quanto à drogas ilícitas: 40,8% dos participantes da “Impacto psicológico e fatores associados à pandemia do Covid-19 em uma amostra brasileira”, publicada em fevereiro, relataram maior consumo de drogas ilícitas, de cigarros, medicamentos e alimentos. Os sintomas de depressão (46,4%), ansiedade (39,7%) e estresse (42,2%) relatados levaram a comportamentos que pioram a saúde, de forma geral.
40,8% dos participantes relataram maior consumo de drogas lícitas
Não é a única pesquisa a mapear comportamentos nocivos. O estudo “ConVid – Pesquisa de comportamento”, de maio de 2020, detectou que, dos 12% dos participantes que se declararam fumantes, quase 23% aumentaram em cerca de 10 cigarros o consumo diário, e 5% passaram a fumar mais de 20 cigarros por dia. Entre as mulheres, o percentual daquelas que passaram a fumar mais 10 cigarros por dia (29%) foi maior que entre os homens (17%).
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MICROBIOTA CASTIGADA
O papel fundamental da flora intestinal na saúde é cada vez mais conhecido. Os desequilíbrios da comunidade microbiana intestinal, chamados de disbiose, estão ligados com uma série de doenças, tanto intestinais quanto extra intestinais. E adivinhe? Sim, a disbiose pode afetar sua imunidade e te deixar mais vulnerável à Covid-19. Assim como a infecção também pode causar disbiose.
De acordo com os autores da pesquisa “Potential contribution of beneficial microbes to face the COVID-19 pandemic”, de outubro de 2020, publicado recentemente na revista Food Research International, o processo de disbiose facilita a invasão e replicação dos vírus e cria um ambiente inflamatório que tende a ser explorado pelo novo coronavírus. Já quando a dieta conta com alimentos fermentados, probióticos e prebióticos, a resposta imune do hospedeiro tende a ser otimizada.
A constante higienização das mãos com sabão ou álcool gel mata e evita a difusão do coronavírus, mas pode afetar os outros germes do bem
Vale lembrar que a microbiota não faz parte apenas do nosso intestino; na verdade, microrganismos estão presentes e têm funções importantes no corpo todo. A constante higienização das mãos com sabão ou álcool gel mata e evita a difusão do coronavírus, mas pode afetar os outros germes do bem. Assinado por 23 pesquisadores de diversas áreas que estudam o assunto, o artigo reflexivo “A hipótese da higiene, a pandemia de Covid e suas consequências para o microbioma humano” propõe algumas medidas compensatórias, como manter os parques abertos com distanciamento físico, promover o aleitamento materno e a vacinação infantil, e políticas públicas para garantir uma alimentação saudável. As práticas individuais “podem incluir passar tempo ao ar livre, jardinagem quando possível, comer uma dieta rica em fibras, evitar antibióticos desnecessários e encorajar o contato físico entre membros da família e animais de estimação em co-quarentena”, para manter os níveis de microrganismos saudáveis em dia.
DOENÇAS CARDIOVASCULARES
O número de mortes por doenças cardiovasculares cresceu até 132% no Brasil durante a pandemia
De acordo com um estudo de pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), do Hospital Alberto Urquiza Wanderley e da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), o número de mortes por doenças cardiovasculares cresceu até 132% no Brasil durante a pandemia. A comparação foi feita entre março e maio de 2019 e o mesmo período de 2021. Os cardiopatas, além de já terem um quadro sensível, também estão no grupo de maior risco da Covid-19. Formas graves da doença causada pelo novo coronavírus podem comprometer ainda mais o sistema cardiovascular. Segundo os autores do estudo, grande parte do problema surge também da diminuição da frequência do acompanhamento de doenças durante a pandemia, quando pacientes deixam de procurar hospitais, fazer exames, consultas e até mesmo cirurgias para evitar o contágio.
DORES DO CORPO
O efeito colateral mais onipresente da pandemia talvez sejam as dores no corpo. A “ConVid Pesquisa de Comportamentos”, realizada pela UFMG, Unicamp e Fiocruz, lança luz sofre esse efeito da pandemia: 41% reclamam de problemas na coluna, contra 18% antes da chegada do coronavírus. As principais causas são o sedentarismo e a falta de movimento. A mesma pesquisa revela, por exemplo, que os brasileiros passavam menos de quatro horas por dia em frente ao computador, tablet ou celular. Com o isolamento social, essa média subiu para mais de cinco horas. Antes, 36% da população praticavam atividade física regularmente. Agora, o percentual caiu para menos da metade.
41% reclamam de problemas na coluna, contra 18% antes da chegada do coronavírus
De acordo com a ConVid, 62% dos entrevistados não estão se exercitando. Entre as pessoas que faziam atividade física três ou mais dias por semana, 46% deixaram de fazê-la. “A falta de movimentação leva a uma atrofia muscular, que aumenta a chance de dor e piora os sintomas de artrose e artrite em pessoas de mais idade”, explica Alexandre Fogaça Cristante, ortopedista e docente na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. “Com a pandemia foi visto um aumento destes sintomas de dor musculoesquelética, causados por uma soma de fatores, como a parada de atividade física, home office em condições pouco ergonômicas, estresse relacionado a pandemia e novas atividades com as quais as pessoas não estavam habituadas, como atividades domésticas.”
A média de tempo na frente da tevê entre os entrevistados foi de três horas, crescimento de uma hora e 20 minutos em relação a antes da epidemia. De forma geral, todos os grupos relataram aumento do tempo na frente de telas, chegando a 9 horas diárias para 22,5% dos entrevistados.
Um reflexo direto é visível nas farmácias: ainda em março de 2020, a compra de analgésicos isentos de prescrição teve um aumento de 62% no Brasil em comparação com o mesmo período do ano passado. Já em maio, foi a vez de as pomadas e os emplastros subirem 10%. Os números fazem parte dos relatórios da Iqvia, consultoria que faz a coleta de estatísticas do mercado de saúde e bem-estar. “Os riscos potenciais da automedicação incluem autodiagnóstico incorreto, demora na busca de orientação médica, possíveis reações adversas interações medicamentosas perigosas, forma de administração e dosagem incorretas e até mascaramento de uma doença grave e risco de dependência e abuso”, alerta o especialista em dor Marcus Yu Bin Pai, médico pesquisador do Grupo de Dor do Departamento de Neurologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Para lidar com as dores no corpo, ambos os especialistas recomendam a “receita de bolo” mais que sabida por todos: atividade física regular, um ambiente minimamente ergonômico no home office, bons hábitos alimentares e intervalos com movimentação e alongamento durante a jornada de trabalho. E dão o alerta: se as dores têm aumentado, considere buscar ajuda (apesar da pandemia). “Em caso de mudança no padrão dos sintomas, ou aumento de intensidade, vale a pena procurar ajuda. Uma consulta com o médico permite avaliação do histórico, exame físico para afastar outras patologias, e exames complementares como exames de sangue, urina e de imagem, para se afastar causas agudas de dores”, diz o especialista em dor.